A pandemia do coronavírus transformou a vida de muitos cidadãos e empresários, de modo que os atletas não ficaram de fora.
Podemos destacar que os atletas, inclusive, foram severamente afetados com os impactos da pandemia, já que os eventos esportivos, junto aos demais eventos públicos, foram suspensos para cumprimento do isolamento social – a medida de contenção mais eficaz em combate ao coronavírus.
Ou seja, campeonatos e jogos não estão sendo realizados e não há previsão de retorno, em vista do atual cenário que presenciamos com a propagação da doença.
E quais são as principais problemáticas em torno disso em relação aos atletas?
Diversas questões estão surgindo a respeito do trabalho dos atletas.
Primeiramente, é importante esclarecer que os atletas, neste artigo, correspondem aos jogadores de futebol.
Salários estão atrasados, assim como a redução dos salários tem sido colocada em pauta de negociação, contratos estão sendo rompidos por patrocinadores e assim por diante.
Muitas dúvidas giram em torno disso, preocupando os atletas e as próprias entidades federativas que estão vinculados.
Por isso, decidimos elaborar um conteúdo completo sobre as principais questões que circundam estas relações jurídicas durante a pandemia. Confira a seguir.
A pandemia de Covid-19 nos esportes
A pandemia impactou severamente o campo dos esportes, já que os eventos esportivos, por compreenderem um grande circulação de pessoas em um limitado espaço, foram suspensas e inviabilizadas.
Ou seja, desde março de 2020, não houve a realização de qualquer jogo ou campeonato, causando imensa angústia aos atletas, entidades federativas, patrocinadores e etc.
Vale dizer, muitos atletas perderam seus contratos de trabalho, por causa da impossibilidade de participarem dos jogos e treinamentos.
Mas como ficam as questões salariais? Os direitos que envolvem o encerramento do contrato com o atleta? E a quebra de contrato com os patrocinadores?
Diversas questões passam a ser colocadas em pauta, com um difícil caminho para resolução.
Contrato de atleta profissional
A Lei Pelé (9615/98) mudou completamente as relações de trabalho dos atletas.
A principal novidade trazida pela lei diz respeito à necessidade de celebração de contrato de trabalho entre o atleta e uma entidade federativa (time), com prazo de vigência não inferior a três meses e não superior a cinco anos.
O contrato segue as normas da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), gerando segurança jurídica aos atletas.
O vínculo trabalhista, importante esclarecer, perdura durante o período de vigência do contrato de trabalho do atleta. Extinto o contrato, extingue-se o vínculo trabalhista.
No entanto, considerando as vantagens financeiras que giram em torno do mercado futebolístico, investidores passaram a adentrar neste ramo, buscando investir em determinados jogadores, a fim de obterem frutos econômicos decorrentes do desempenho do atleta em campo.
A interação entre clubes, atletas e investidores, contratualmente falando, passou a gerar alguns questionamentos jurídicos, expandindo a necessidade de profissionais especializados no direito desportivo, a fim de auxiliar as partes interessadas e envolvidas nas relações jurídicas.
É por isso que a pandemia causou um grande transtorno nas relações contratuais de atletas. Algumas questões colocadas em discussão dizem respeito:
- à possibilidade de rompimento do contrato antes do prazo de vigência;
- à necessidade de pagamento de multa por quebra de contrato antecipada;
- às obrigações dos patrocinadores/investidores/clubes relativas à quebra de contrato com o trabalho antes do prazo estabelecido;
- ao cumprimento de obrigações inadimplidas (salários);
- às transferências e empréstimos de atletas entre times; e,
- à prorrogação de contratos.
Mas as questões contratuais, como ficaram durante a pandemia?
Primeiramente, é necessário pensar que todos estão diante de um cenário atípico, que é o estado de calamidade pública causado pelo coronavírus.
Assim, além das normas que regem as relações trabalhistas (CLT), é imperioso considerar que a negociação é um ótimo caminho para resolução dos conflitos oriundos dos contratos de trabalho dos atletas.
Apesar de não haver regulamentação emergencial no âmbito desportivo sobre direitos relativos a tais relações jurídicas na pandemia, há de se levar em conta que muito provavelmente a jurisprudência considera o fenômeno da pandemia como caso fortuito ou de força maior.
Significa que muitos direitos e obrigações são relativizados por conta da pandemia, reforçando o fato de que a negociação entre as partes envolvidas é o melhor caminho.
Certamente, não há uma resolução pacífica para todos os tipos de contratos de trabalho de atletas, devendo ser cada caso analisado individualmente, com orientação de um advogado especialista, trazendo segurança jurídica aos mais prejudicados, que são os atletas.
Ações do governo para o esporte durante a pandemia
Desde março de 2020, estão sendo tomadas algumas ações do governo para o esporte durante a pandemia.
Conforme mencionamos neste artigo, os atletas, clubes e patrocinadores foram afetados com a impossibilidade de serem realizados jogos e campeonatos.
O resultado é o atraso de salários, rompimento antecipado de contrato, dentre outras consequências.
Assim, a Secretaria do Esporte, do Ministério da Cidadania, tem tomado algumas medidas para enfrentamento do estado de calamidade pública e redução dos impactos no esporte.
Algumas medidas tomadas foram:
- Aumento do prazo para captação de recursos para projetos da Lei de Incentivo ao Esporte: A Portaria n° 353, do DIFE, estendeu o prazo para um ano, a fim de permitir a captação de recursos para projetos desportivos que já tenham captação autorizada pela Comissão Técnica da Lei de Incentivo ao Esporte.;
- Prorrogação do prazo de pagamento das parcelas do PROFUT, pelos clubes: Aos clubes que aderiram o programa de Refinanciamento Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT), houve a prorrogação do prazo para quitação dos débitos tributários, referente aos meses maio, junho e julho de 2020;
- Prorrogação da vigência dos contratos, parcerias: Por meio do Decreto 10.315, de 7 de abril de 2020, alterou prazo final da vigência de contratos, parcerias e termos de colaboração, parcerias e etc, para dezembro de 2020;
- Medida Provisória n 984: O Presidente da República editou a MP 984, que permite a transferência do direito de arena às entidades esportivas mandantes de jogos nacionais, regionais e estaduais, sendo a negociação direta entre a entidade e a emissora da televisão. A MP perdeu a vigência em outubro de 2020, pois não foi convertida em lei no prazo constitucional;
- Dentre outras.
Sobre os direitos dos jogadores de futebol, a Federação Nacional dos Atletas Profissionais do Futebol (FENAPAF) não aceitou a sugestão de redução salarial dos jogadores, propondo algumas alternativas como:
- antecipação das férias remuneradas durante 30 dias (para o mês de abril de 2020);
- licença de dez dias entre Natal e Ano Novo;
- atuação da CBF em acordos ou convenções coletivas de trabalho, representando a fonte pagadora dos jogadores no lugar dos clubes que não conseguem cumprir a obrigação salarial.
Aos atletas que ficaram desempregados, há também a possibilidade de recebimento do auxílio criado pelo governo (Bolsa Atleta), devendo ser solicitado perante o site do Ministério da Cidadania.
Direitos dos atletas na pandemia
Os atletas, conforme exposto, criam vínculo trabalhista com a entidade federativa que se vinculam por meio de contrato de trabalho escrito, com prazo de vigência determinado, não inferior a três meses e não superior a 5 anos.
As normas que regem os contratos de trabalho dos jogadores são as previstas na CLT, portanto, os direitos às verbas trabalhistas e verbas rescisórias do contrato são resguardadas.
Os principais direitos são:
- Salário em dia ou ao recebimento de salário reduzido em razão da pandemia;
- férias remuneradas, individuais ou coletivas; e,
- verbas trabalhistas e previdenciárias como o 13° salário, FGTS, seguro-desemprego, se for caso de rescisão pela entidade federativa.
O que mudou nos contratos de atletas na pandemia?
As principais mudanças nos contratos de atletas na pandemia diz respeito à flexibilização dos prazos de vigência e prazos de inscrição dos atletas para transferências.
Os contratos que tinham prazo de vigência no meio do ano de 2020, foram prorrogados para o final de 2020, sem prejuízo ao atleta, considerando que os campeonatos que aconteceriam em 2020 foram impedidos por motivo da pandemia.
Ou seja, é comum que o prazo de vigência do contrato seja até o fim de um campeonato, por exemplo, garantindo que o atleta participe do começo ao fim, evitando que ocorram mudanças de jogadores durante o mesmo campeonato.
Com isso, houve a prorrogação dos contratos para permitir que aqueles jogadores que iniciaram o campeonato, possam, ao menos, concluir os jogos que seriam escalados.
Da mesma forma, os contratos para transferências de atletas também foram flexibilizados, de modo que as federações nacionais que irão promover as inscrições dos atletas no âmbito internacional.
Cláusulas nos contratos dos atletas adotadas na pandemia
Existem algumas cláusulas padrões utilizadas em contratos de atletas. Porém, com o advento da pandemia, o temor pela injustiça existe e, com isso, a minuciosa menção de hipóteses em cláusulas contratuais pode evitar grandes dores de cabeça.
É essencial dispor em contrato algumas situações, portanto:
- Multa por quebra de contrato antecipada;
- Responsabilidade por contaminação do atleta do covid-19 e custos que envolvem a saúde do jogador;
- Responsabilidade pelo pagamento das verbas rescisórias e eventuais indenizações;
- Prazo de vigência do contrato;
- Previsão de transferências e empréstimos do atleta, com disposição sobre a responsabilidade de pagamentos dos direitos do jogador e eventuais indenizações;
- Prazo para pagamento de salário;
- Possibilidade de redução de salário ou suspensão de contrato de trabalho;
- Responsabilidade pelo fornecimento de equipamentos de proteção individual do atleta, durante a pandemia;
- Dentre outras.
Suspensão de contratos na pandemia
A suspensão de contratos de trabalho na pandemia foi uma das medidas criadas pelo governo para redução dos impactos econômicos gerados no atual cenário.
A suspensão nada mais é do que interromper a prestação dos serviços pelo atleta, de modo que o salário passa a ser parcial ou integralmente responsabilidade do governo, por meio do benefício emergencial.
Renegociação de salários durante a pandemia
Tem sido discutida a possibilidade de renegociação de salários atrasados durante a pandemia.
Há divergência de posicionamentos, sendo essencial analisar cada caso em concreto.
Apesar da CLT prever a possibilidade de redução de salário em até 25% na hipótese de sobrevir situação inesperada, como o fenômeno da pandemia, a Federação Nacional dos Atletas de Futebol – FENAPAF entendeu ser contrária à Constituição a medida sugerida, já que impactaria os salários dos jogadores ainda mais.
Assim, uma nova negociação deve ser pautada para resguardar os direitos trabalhistas dos atletas, como:
- antecipação de férias remuneradas;
- responsabilização da CBF pelo pagamento dos salários que os clubes não possam cumprir.
Situação de contratos perto do fim
Conforme já mencionado, os contratos com prazo de vigência até o meio do ano de 2020, tiveram prorrogação até dezembro do corrente ano.
No entanto, com a virada do ano e a manutenção da suspensão dos eventos esportivos, a prorrogação dos contratos tem sido aplicada.
Quebra de contrato por patrocinadores
Outro ponto relevante que vem impactando o ramo desportivo diz respeito ao rompimento contratual pelos patrocinadores, já que não há jogo.
No entanto, as responsabilidades pela quebra do contrato também devem ser analisadas com cautela, já que todos foram impactados drasticamente pela pandemia, sem que possam agir de forma distinta.
Algumas medidas a serem analisadas, promovidas pelo governo, correspondem à isenção de impostos e antecipação de verbas e adoção de meios de captação de recursos, com respaldo na Lei de Incentivo ao Esporte e outras normas.
Direitos de imagem na pandemia
É fácil perceber como o futebol traz uma série de margens de atuação para investidores e patrocinadores, o que vai muito além de meros contratos para realização de jogos e campeonatos. Ou seja, o campo de publicidades de grandes marcas também é enorme.
Assim, o direito de imagem do atleta diz respeito às aparições em diversos mecanismos de comunicação, seja em jogos e campeonatos gravados e transmitidos por emissoras de televisão, seja em programas de televisão ou na internet em geral.
O direito está previsto constitucionalmente, mas tem disposição na Lei Pelé, em seu art. 87-A:
Art. 87‐A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.
O direito de imagem é distinto do direito de arena, que nada mais é do que uma espécie de direito de imagem. Abrange apenas as aparições do atleta durante os jogos ou campeonatos transmitidos pela televisão.
Sobre as distinções destes direitos, já temos um conteúdo completo no blog, confira.
O que é importante esclarecer sobre o direito de imagem é que o atleta concede, por meio de contrato, o direito de imagem em decorrência do exercício da profissão, mediante pagamento de determinado valor fixado em percentual estabelecido com a entidade federativa, em contrato de trabalho.
Logo após a decretação do estado de calamidade pública, em reunião realizada pelo Conselho Nacional de Clubes (CNC), ficou estabelecida a possibilidade de suspensão, pelo período de paralisação dos jogos, de todos os Contratos de Imagem celebrados, devendo cada clube analisar individualmente as particularidades de cada situação.
No entanto, com respaldo no art. 31 da Lei Pelé, muitos atletas questionaram a suspensão, pois acarretaria na perda significativa de parte do salário.
Em que pese a natureza do percentual de direito de imagem não ser salarial, a Lei Pelé considera remuneração que integraria o salário, sendo desproporcional o corte mediante a suspensão do Contrato de Imagem.
Assim, as partes envolvidas devem buscar a melhor solução, após análise minuciosa de alternativas, a fim de evitar grandes prejuízos aos atletas, considerando o fenômeno excepcional que todos estão enfrentando.
Ainda tem dúvidas sobre o assunto? Deixe seu comentário. Será um prazer lhe orientar.